18 de fevereiro de 2011

Do Texto à Cena (Uma reflexão sobre o processo criativo)


Quando se pensa em processo criativo, de imediato nos vem à cabeça que devemos proceder à execução de formas, pois achamos que através das formas poderemos alcançar a formalização do resultado, porém o resultado só é alcançado através da composição de ações físicas, embutidas de um objetivo claro, e esse objetivo nem sempre é apreendido logo de início e por muitas vezes não fica claro. Entretanto, nesta análise procuro entender que transformações passaram por mim, de que maneira aconteceu a reação do meu organismo, que alterações houve nas minhas percepções. O olhar do diretor, que talvez seja o mote para a discussão, entendo que é muito mais complexo do que simplesmente uma visão plástica do todo. Uma outra questão a ser observada é, como lidar com os estímulos e interferência externas, assim como o fator surpresa.
Há algum tempo, venho pensando sobre o meu processo de criação, procurando perceber nas minhas ações ao que elas me levariam, mas puder observar que além das ações físicas, também há as ações objetivas e é aí que está o “x” da questão. Como identificar o objetivo de uma determinada ação, como criar estímulos para encontrar o movimento que vai pulsionar o mecanismo interno. Toda e qualquer concepção da construção cênica, deve iniciar-se com uma pesquisa e entendimento do que o texto transmite. Neste estudo do texto de Pirandello (O Homem com a Flor na Boca), esta análise procedeu-se de forma a buscar qual seria o porquê desta personagem (O Homem) dizer palavras tão duras e ao mesmo tempo tão cheias de significados. Optamos no grupo por fazer uma tentativa de trazer para a cena os três estágios psicológicos da consciência pelo qual o ser humano passa. A ideia de demonstrar o ID, EGO e SUPEREGO, parecia uma ideia genial, mas logo esbarramos na sutileza que a cena exigiria, como personificar, dar corpo ao etéreo, algo que não se pode tocar. Sem abandonar a ideologia inicial, buscamos alternativas, para como compor o corpo físico destes três atores vivenciando uma única personagem, e nesse processo investigamos, sem chegar ao fundo de verdade, várias metodologias de trabalho, muitas delas abandonadas sem que houvesse o aproveitamento de qualquer parte para a continuidade do trabalho.
Existe um fator que é inerente ao homem, toda e qualquer experiência vivenciada por ele, seja de longa seja de curta duração, exerce a função de transformação do mesmo. Apesar de abandonar os exercícios realizados na busca pela ação física que melhor se adequasse à personagem, sinto-me modificado por essas experiências. Durante e principalmente após a execução das atividades físicas, percebi que os estímulos pulsionados a partir do meu organismo geraram uma ação, essa ação modificou a respiração e que consequentemente interferiu diretamente na fala. Porém, esta transformação não resultou em um estado de tranquilidade de uma continuidade do processo de pesquisa, pelo contrário, a cada mudança de sensações no corpo físico, o sentimento de alcançar uma composição de ações físicas que servissem para o trabalho estava cada vez mais longe de ser atingida, e isso, foi trazendo uma angústia e também frustração por não saber o que fazer. Era como se todos os músculos do corpo ficassem inertes, não respondendo aos comandos enviados pelo cérebro, mas principalmente uma ausência dos instintos naturais, a ponto de não reagir às ações dos outros.
Uma das principais dificuldades encontradas, a partir do texto do Pirandello que é muito cheio de imagens, foi como criar estas imagens através das ações físicas e também da palavra, pois toda palavra é composta de uma imagem que a reflete, entretanto a ação sugerida pela palavra não imprimia uma composição corporal que complementasse a fala. Certa vez, durante uma aula de voz, a fonoaudióloga Marli Santoro, falou justamente sobre a imagem das palavras, e que se fazendo a junção destas imagens no texto, poderíamos imprimir um determinado ritmo à cena. Neste processo de imagens para a fala entendo o seu funcionamento, no sentido de dar mais ou menos agilidade ao texto para que possamos nos comunicar com o público, mas como traduzir isso para o corpo sem que estas ações produzam imagem que fiquem apenas sublinhando o que está sendo dito. Como atores, muitas vezes precisamos de alguém que nos direcione, alguém que nos olhe e nos ajude a perceber se determinados movimentos são compatíveis com nossos objetivos, mas também por vezes, nós mesmos temos que nos colocar no lugar do observador, pois desta maneira poderemos tomar consciência das nossas ações e ajustá-las as palavras. O olhar de fora é muito importante para a compreensão das ações que estão sendo executadas, aí está uma das funções do diretor.
Quando, no grupo, resolvemos trabalhar a parte final do texto, foi porque percebemos que neste trecho havia uma condensação de momentos significativos da personagem, nele é expresso toda a revolta e sentimento de injustiça deste homem que foi visitado pela morte, e ao mesmo tempo revela uma filosofia de vida muito intensa que quer resgatar uma parte da vida perdida.
O que desejamos realizar como a construção da cena, seria a representação de três momentos da personalidade desta personagem, sendo composta das seguintes características: o homem que sofre e se revolta por se sentir injustiçado porque vai morrer; o homem que entende a morte como uma transformação gerando uma conformidade e que tentar convencer-se disto; e por fim o homem que ironiza a sua própria condição de mortal, de ser finito.
Durante o processo de pesquisa, acredito que o não aprofundamento na elaboração do projeto desencadeou uma desestruturação do grupo, por não atingirmos os objetivos de cada característica da personagem, elaborada anteriormente, fez com que nos sentíssemos fragilizados. A busca por novas formas e também a constante mudança de pesquisa de processos, contribuiu para que em determinada apresentação para ajustes e orientação, o grupo apresentasse uma nova linha de pesquisa totalmente adversa da anterior, não que isto fosse ruim, entretanto nos colocou mais melindrados. Por fim, resolvemos voltar à pesquisa que estava tendo uma continuidade e fazer os ajustes necessários de acordo com as orientações dadas pela professora. Estamos, agora, achando um lugar onde podemos nos sentir calçados para o desenvolvimento da pesquisa, não sei se o resultado a ser apresentado será satisfatório, mas pelo menos estamos mais atentos ao que queremos transmitir.
As possibilidades e dificuldades encontradas neste processo de criação cênica nos deram, ou pelo menos para mim, a chance de observar com mais detalhes todas as falhas que cometemos durante a elaboração do projeto, não que isso queira dizer que agora sei exatamente o que fazer, mas a não fundamentação das bases com as quais se quer trabalhar geram obstáculos muito difíceis de se transpor. O objetivo deve ser muito claro. É preciso também que se avalie a real execução do que está sendo sugerido. Muitas vezes é preciso abandonar a ideia inicial para que possamos experimentar outras instâncias. Estímulos, interferências externas e elementos surpresas não devem criar impossibilidades, mas a partir da conscientização destes, elaborar soluções e fazer adaptações para os objetivos predeterminados. Não devemos nos desesperar diante da obscuridade, e sim tentar manter a calma para clarificar as ideias e poder visualizar as alternativas que levem ao encontro do objetivo. Compreendo agora, mais ainda, que a prática de exercícios é que vai aguçar e refinar o tratamento dado ao ator na construção de uma personagem. Avalio que este exercício está me trazendo um pouco mais de segurança e, consolidando ainda mais as minhas percepções do fazer teatral, tornando-se parte do estofo que vai compor as minhas qualidades com diretor.