18 de fevereiro de 2011

Dramaturgia, Ficção e Realidade


DRAMATURGIA – No seu sentido mais genérico, é a técnica (ou a poética) da arte dramática, que procura estabelecer os princípios de construção da obra, seja indutivamente a partir de exemplos concretos, seja dedutivamente a partir de um sistema de princípios abstratos. Esta noção pressupõe um conjunto de regras especificamente teatrais cujo conhecimento é indispensável para escrever uma peça e analisá-la corretamente. [1]

FICÇÃO – Forma de discurso que faz referência a pessoas e coisas que só existem na imaginação de seu autor, e, depois, na do leito/espectador. O discurso ficcional é um discurso “não sério”. Uma asserção inverificável, descompromissada, e é colocado como tal pelo autor: “O critério de não identificação que permite reconhecer se um texto é ou não uma obra de ficção deve necessariamente residir nas intenções ilocutórias do autor” (SEARLE, 1982: 109)[2]

REALIDADE – Qualidade de real. Aquilo que existe efetivamente, que é real. [3]

REALIDADE TEATRAL – Onde se situa a realidade cênica ou teatral e qual é o seu estatuto? Desde ARISTÓTELES se reflete sobre a questão, sem que se tenha encontrado uma resposta definitiva e segura. É que, nesse caso, somos vítimas da ficção e da ilusão teatral - nas quais se baseia nossa visão do espetáculo – e misturamos várias realidades.

Que percebemos de fato em uma cena? Objetos, atores, às vezes um texto.[4]

Através da imagem da escada encostada no espelho, na fotografia de Chema Madoz, podemos nos transportar através da imaginação à várias interpretações sobre o que podemos chamar de uma realidade ficcional.

Primeiramente podemos ver a imagem como sendo uma continuidade de um caminho, ou seja, ela nos convida subir a escada, atravessar o espelho e descer pelo outro lado, ela nos chama a conhecer o que existe do outro lado. Mas o que existe do outro lado? Sendo o espelho o reflexo da realidade, seriamos levados a visualizar a nossa própria. A intenção de atravessar o espelho é criar a ilusão de uma imagem verdadeira. Entretanto, devemos levar em consideração, que a imagem refletida no espelho, é uma imagem do nosso reverso. Portanto, esta nova realidade oferecida pelo espelho é falsa, uma realidade que será o reverso de tudo que conhecemos.

A escada por estar junto ao espelho pode representar uma idealização do imaginário comum, a busca por uma realização pessoal, da qual podemos nos diferenciar dos outros. Este imaginário comum utiliza-se da ilusão, esta que é produzida, passa a ser verdadeira, e isto se torna um momento único, pois a ilusão é algo que não podemos nos apossar, e pode provocar os sentidos, induzindo à confusão do que é real ou ficcional, criando a ilusão do que se está vendo é verdade. A verdade, neste caso, somente existe no momento em que é produzida pela imaginação.

A arte, como forma de imitação do real, permite ao ser humano desenvolver a sua capacidade imagética. O espelho representa a reflexo de imagens. Se nos colocarmos na cena onde a foto foi composta nos posicionado diante o espelho, seríamos refletidos por ele, assim nos colocamos como parte integrante da obra, rompemos a relação passiva entre espectador e a obra. A imagem produzida por nossa imaginação pode sugerir uma fuga da realidade, provocar uma alteração no discernimento, onde produz um déficit do que é realidade ou o que é ficção, uma espécie de entre-lugar, entre verdade e o engano, entre razão ou irrealidade, uma imitação irrefletida.

A metáfora da imitação irrefletida, ela por ela mesma, não provoca, não estimula ao raciocínio. Não existe uma construção de pensamento, levando à inconsciência. É como se fosse um do instinto, apenas o reflexo de reação, desprovido de racionalidade.

Neste contexto, chegamos a relação de verossimilhança, pois a representação não quer transmitir exatamente o que é real, e sim, demonstrá-lo como o vemos e torná-lo crível para quem aprecia a obra.

Transportando este pensamento para o teatro, podemos observar que na construção dramatúrgica, o lugar do irreal é formatado pela representação cênica. A partir das instâncias predeterminadas pela construção dramatúrgica da obra teatral, o objetivo de apresentar para o público uma reprodução mimética da ação, o teatro passa a fazer parte da senda que transita entre realidade e ficção. Neste sentido, a dramaturgia teatral constrói na imaginação da platéia, a ilusão de uma realidade ficcional, pois existe somente durante o tempo da representação.

A representação de uma obra teatral pode inferir ao espectador a idéia de imitação da realidade. Para Platão, a imitação por si só não tem valor nenhum. A arte é colocada por ele como imitação do mundo quando ela é desprovida de um olhar racional, uma construção lógica. Ela tem que ser acompanhada de um discurso, uma ideia ou um ponto de vista, não sendo apenas objeto de entretenimento que provoca o riso ou o choro por ele mesmo.

A concepção Aristotélica, entretanto, defende que a arte enquanto representação da realidade constitui a necessidade da verossimilhança. “Não é contar as coisas realmente acontecidas, mas sim, contar o que poderia acontecer. Os acontecimentos são possíveis conforme a verossimilhança ou a necessidade.”[5]. O teatro quando é tratado como obra de ilusionismo não produz nenhum efeito concreto sobre o espectador, que cause uma transformação no sujeito que está assistindo. Contudo, o teatro Brechtiniano nos obriga a ter percepções sobre o espetáculo através de certo distanciamento, a todo o momento este dramaturgo conduz seu público a uma reflexão sobre o que se está vendo, pois a “superficialidade da realidade, no caráter fantasmático da descrição, o que na sua visão, levaria a uma apologia intrínseca do descrito, quando um verdadeiro realismo precisava expressar as condições históricas determinantes dessa realidade de maneira exemplar, ou seja, liberada das ilusões do registro imediato.”[6]. Sendo desta forma, o que se defende está além da imitação, da reprodução de aparências.

Portanto conclui-se que a dramaturgia enquanto forma de arte possui a responsabilidade sobre a criação e diferenciação de realidade e ficção, pois a provocação de imagens ilusórias resulta na liberação de sentidos que podem enganar a percepção do espectador, colocando-o no lugar da irrealidade. A arte precisa e deve ser tratada como campo de construção de reflexão da consciência humana para expressar, analisar e criticar as ações do homem e não só como objeto de entretenimento.


[1] PAVIS, Patrice: 113

[2] In PAVIS, Patrice: 167.

[3] Holanda, Aurélio B., Microdicionário: 583

[4] PAVIS, Patrice, 325

[5] ARISTÓTELES. In, PAVIS, Patrice: 428

[6] SHOLLHAMMER, Karl Erik: 213



- Bibliografia Consultada:

- ARISTÓTELES. In ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. “A Poética Clássica”. Introdução por Roberto de Oliveira Brandão; tradução direta do grego e do latim por Jaime Bruna. - 12. ed. - São Paulo: Cultrix: 2005.

- HOLANDA, Aurélio B. “Miniaurélio Século XXI: O microdicionário da língua portuguesa”. Cood. de Edição, Margarida dos Anjos, Maria Baird Ferreira; lexicografia, Margarida dos Anjos... [et al.]. 4. ed. Rev. Ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

- PAVIS, Patrice. “Dicionário de teatro”; tradução para língua portuguesa sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. 3ª ed. - São Paulo : Perspectiva, 2008.

- PLATÃO. “A República [ou Sobre a justiça, diálogo político]”; tradução para língua portuguesa, Anna Lia Amaral de Almeida Prado; revisão técnica e introdução., Roberto Bolzani Filho. Rio de Janeiro. Martins Fontes, 19--.

- SCHOLLHAMMER, Karl Erik. “O Espetáculo e a Demanda do Real” in FREIRE, João e HERSCHEMANN, Micael (orgs.) Comunicação, Cultura, Consumo. Rio de Janeiro, E-Papers, 2005.


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